Salvemos LPs e videoclipes


Somos filhos da mídia. Fomos criados por ela e a ela devemos nossa formação musical. E isto não é de todo ruim. Claro que temos uma dificuldade imensa para escutar sem olhar. Mas esse olhar pode ser mais que a redundância do ouvir. Pode ser uma multidimensão do simples escutar. Se viajar em um som já é uma delícia particular, o transcender códigos sonoros junto de sinais imagéticos é quase lisérgico. E isso aproxima muito o romantismo do LP ao videoclipe criativo.

MTV
Somos filhos da sociedade do prazer. E esse prazer pode ser potencializado não apenas pelos sentidos primitivos, mas pela inteligência. Assim, após uma ampla introdução de como vejo a percepção e a apreciação estético-artística, passo a comentar o super-estimulante videoclipe da Pública, banda de rock de Porto Alegre que concorreu na categoria Aposta MTV na última premiação Video Music Brasil.

As zilhões de bandas que existem na capital, geralmente, causam-me calafrios. Deve ser um preconceito meu. Pois não posso ver um cabelinho mod, ou um tênis All Star, que já torço o nariz. Não posso ouvir sotaque do Bom Fim que já torço as orelhas. Mesmo assim, admiro pacas algumas bandas, como a Pata de Elefante. Provavelmente, é porque no meio da unidade que emerge o excepcional.

Magro do Bonfa
E a Pública poderia ser considerada um aglomerado destas minhas “criptonitas”. Mas apenas o espectador mais distraído não percebe que no “fundo há algo que vale a pena”, parafraseando-os. Para uma banda formada no mesmo Bom Fim, que se propõe a tocar rock, que grava vídeos com seus amigos cineastas, possui loja de roupas e cabeleireiro particular, considero que os estereótipos ficaram em segundo plano. Por mais que a banda seja saudosista dos longplays, sua linguagem é contemporânea dos videoclipes. E eles estão fazendo isso tremendamente bem! Não pude resistir aos seus elegantes apelos estéticos.

O pop deve ser irresistível. O que causa alguma resistência não faz sucesso de amplitude de massa. Mas o irresistível pra mim, pode não ser pra você. O excesso de referência ao mundo do “magro do Bonfa” pode lotar o bar Ocidente. Mas não leva prêmio na MTV. Não que seja essa a explicação para a Pública não ter ganhado o prêmio do Video Music Brasil 2007. Apenas me coloco como um dos diferentes públicos-alvo daquele canal de televisão, que não convive com a magrinhagem porto-alegrense e sempre ri por último quando encontra essa turma, durante as férias na capital.

Endereço
A Pública usa linguagem universal, da imagem, do rock. Mas as referências e as mensagens que estão ali em sua música são íntimas. Íntimas da sensibilidade humana e não de um pequeno grupo cultural com endereço certo.

O videoclipe “Longplays” traz dois habitantes do Bom Fim imaginário como protagonistas da historinha de fundo: Malásia (da banda Ultramen) e Carlinhos Carneiro (da Bidê ou Balde). Mas eles não falam com sotaque e não representam a si mesmos. São apenas atores ali. Acertaram em cheio!

Megafone
Antes de assistir ao vídeo, eu já gostava da música, que por sinal tem um quê radiofônico irreversível. O clipe poderia ser somente um reforço do que se vê na letra. Mas é algo a mais, como todos os clipes da Pública.

As cenas dos músicos tocando como se fossem mendigos não serve para passar nenhuma mensagem careta social. Serve para eles se despirem do glamour tentador do rock. O mendigo protagonista, ao ouvir seus longplays, não sai às ruas protestando um vazio contra sabe-se-lá-o-quê. Ele clama sem palavras em um megafone pela simplicidade, pelo romantismo, pelo prazer que se encontra nas pequenas coisas. Ou em um pequeno videoclipe.

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