Vá de camelo, meu filho; mas não esqueça o casaco!


Antes de dirigir um Tipo 95 nas ruas de Passo Fundo, gozei a liberdade de me locomover e desbravar a praia de Atlântida Sul, onde veraneava na infância, a bordo de uma bicicleta. Lembro do som que ouvia no walkman, Aerosmith, e até da gatinha por quem eu me apaixonava na época, Bia. Mas inesquecível mesmo era a sensação de bem-estar e liberdade, propiciada pela independência das caronas do pai ou da mãe.

Hoje ando habituado ao trânsito de grandes cidades, esteja aqui ou além-trevo, a bordo de um Clio 2005. O tempo passa e a ferrugem come, não é mesmo? Confesso que já tentei a sorte nas ruas pedalando, para ficar em forma. Mas começo a pensar em me locomover sem carro. Retorno à infância?

Retornasse à época dos tropeiros, daria um jeito de encilhar um cavalo. Talvez fosse mais barato e menos arriscado, pois nas ruas asfaltadas de hoje, qualquer tentativa de mobilidade se torna uma questão de dinheiro e segurança. Quantos amigos nossos já foram vítimas de um mundo onde construímos estradas para automóveis? E quantos mil reais gastamos para comprar nosso direito de andar pra lá e pra cá?


Há cidades onde as pessoas andam muito de bicicleta. Em Copenhague, capital da Dinamarca, os engarrafamentos não são de carros. Em Porto Alegre, as magrelas formam a Massa Crítica, uma vez por mês. Mesmo na capital federal, Brasília, há a cada dia mais gente reivindicando espaço para seus camelos irem e virem livres. De fato, o tempo seco e o terreno plano do cerrado são propícios para alavancar sucesso nacional com o mesmo meio de transporte que Eduardo usava, na música Eduardo e Mônica da banda Legião Urbana: a bicicleta; na gíria local: camelo.

Vai a Porto Alegre, então aprenda a consertar
Na capital dos gaúchos, enquanto alguns desfilam a cavalo no dia 20 de setembro, outros se juntam para pedalar, mantendo a saúde e obrigando os amigos pilotos a reduzirem a velocidade e a darem espaço nas grandes avenidas. Infelizmente, nem sempre os motoristas são gentis. Em fevereiro deste ano, por exemplo, o passeio ciclístico da Massa Crítica virou manchete nacional por causa do atropelamento de 15 ciclistas.

Há ainda em Porto Alegre uma galera que se reúne todo final de mês numa oficina, para aprender a consertar suas próprias bicicletas, na sede da organização não-governamental Cicloativos, no bairro Menino Deus. Quem participa evita ficar na mão com um pneu estourado ou uma correia quebrada, no meio da selva de pedra. Pura filosofia zen, tal o livro da arte da manutenção de motocicletas, de Robert M. Pirsig.

Não chupe bala de goma pra não engasgar
Em Passo Fundo, asfalto é coisa sagrada. Só permitimos merda em cima dele em festejo farroupilha. E só lembramos do que há embaixo dele por causa das obras de saneamento que iniciaram ano passado e devem terminar em 2013. Enquanto isso, reclamamos dos caminhões, máquinas e tubos que atrapalham nosso desfile no asfalto quebradiço. Não estaria na hora de pensar no quanto estas obras irão determinar o nosso futuro, indo e vindo na cidade?

Em primeiro lugar, não vamos esquecer o valor ambiental básico do tratamento de esgoto. Pois hoje somente 17% da cidade possui acesso a rede coletora. Isto significa que a maioria dos dejetos produzidos em nossas casas polui diretamente nossa água e o querido rio Passo Fundo. Após todo trabalho e quiproquó, 55% dos domicílios urbanos serão atendidos.

Segundo, se a prefeitura e a Corsan estão construindo, com recursos federais, 127 quilômetros de vias de esgoto no centro da cidade, compreende que iremos passar por cima destas vias com carros cada vez mais possantes durante os próximos mil anos, até que seja necessário refazer tudo de novo?

Há tempos, o que determinou a disposição das ruas e prédios da cidade, foi o caminho do trem. E hoje, quando votamos no nosso prefeito e na nossa presidenta queríamos que as ruas fossem bem asfaltadas, o suficiente para não quebrarmos as rodas ou a suspensão de nossos carros novinhos? O suficiente para que não possamos sentir o cheiro do que passa por baixo? Era esta uma promessa de campanha?

Juro que não pensei na merda quando fui votar. Nem no asfalto. Talvez no meio ambiente. Mas podia começar a pensar na relação entre tudo isso no caos urbano em que vivemos. Andar de bicicleta era para mim só uma ideia saudosista ou esportiva. Ir ao banheiro, um momento meditativo que acabava com o acionar da descarga.

Podíamos começar a construir cidades melhor trafegáveis, onde não viremos a bunda para os rios e lagoas. Se andarmos mais de bicicleta, teremos uma vida mais fluida, segura e sustentável. Imagine se o governo não precisar mais fazer campanhas de conscientização sobre o cinto de segurança? Acho que não, pois o governo é como a mãe: nunca nos deixará sair de casa sem o casaco.

Acesse:
http://cicloativos.lappus.org
http://vadebici.wordpress.com

*texto publicado na edição de outubro da Revista Alt (Passo Fundo RS). Crédito da ilustração: Marceleza.

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