Antonio Villeroy volta auto-traduzido em Samboleira


Minha mãe ligou de manhã do Rio de Janeiro:
- Filho, tava passeando numa livraria na zona sul e achei o novo CD da Ana Carolina. Estou pensando em levar pra ti de aniversário.
- Ainda bem que tu ligou, mãe: não faça isso.
- Mas ela não canta as músicas daquele compositor gaúcho que tu gosta?
- Sim, o Antonio Villeroy. Até vou no show dele hoje à noite.
- Então não te entendi.
- Mãe, quando tu ouvir a nova música dele, com uma cantora argentina, vai saber do que estou falando.
- Ah, quero ouvir, sim.
- Mas podia trazer pro filhão querido o novo do Yamandú. Certeza que vai achar em algum lugar do Rio.

Nem sempre é bom revelar a intimidade no blog. O risco de se comprometer é alto, mas dos leitores gostarem também. Guardada uma dose de ficção, o episódio combinou tanto com o tema deste texto, que não pude deixar de fora. (Perdoe a brincadeira, mãe).


Agora sim, começo a relatar o show Samboleria que Antonio Villeroy apresentou quarta-feira no Teatro do Bourbon Country, em Porto Alegre. Platéia cheia e repleta de músicos: o compositor está num momento-chave de sua carreira. Resolveu voltar pro Rio Grande do Sul, após 13 anos conciliando tertúlias e rodas de samba no seu apartamento na capital carioca. Colheu os frutos da socialização, tendo sua obra reconhecida e gravada amplamente por Ana Carolina, e também por cantoras como Gal Costa, Zizi Possi e Maria Bethânia. Neste tempo o samba conquistou a veia criativa do artista. Manteve-se romântico e ligado a um amplo regionalismo que começa na sua terra natal e se estende à América Latina.

Quando as cortinas se abriram no teatro, ao som da faixa-título do novo disco, Antonio Villeroy reapresentava-se no sul, buscando traduzir suas influências em uma canção editorial. “Samboleria” começa com ritmo aciganado, bailável. Totonho canta bossa-novista: malandro e suave. De repente adentra o palco uma “morena sedutora e muy bonita”. É Dolores Solá, cantora de tango, que traz mais elementos de outras culturas para a oficina de bailado.

A interpretação ao vivo só confirmou aos meus ouvidos que “Samboleria” é a canção do ano. Quando ouvi pela primeira vez na FM Cultura, registrei a empolgação via Twitter e fui correndo baixar no iTtunes. É a primeira faixa de um disco conceitual, em que Villeroy concilia sua vertente latina com o carioquês. Tem regravações que, com o alto nível de produção e arranjos, acabam sendo as versões definitivas de composições suas, como “El Guión” e “No Balanço do Bedeu”. Tem participação de Mart’Nália, em “Germinal do Samba”,  letra reminiscente sobre a música brasileira. Além de João Donato, Maria Gadú e o jazzista norte-americano Don Grusin. Luxo só.

Vuelvo al sur

Antonio Villeroy e Dolores Solá
Nosso cantautor mais pop dedicou o show em Porto Alegre ao seu pai Gil Villeroy. Cantou música dele, “João Carreteiro”, gravada pelo folclorista Paixão Cortes. Foi o momento voz e violão, carregado de emoção e lembranças. Ainda que não constasse no roteiro, o cantor recordou quando tocava na noite de Porto Alegre, no bar Purpurina, de Jerônimo Jardim.

Com a memória evocada, talvez Totonho estivesse celebrando o final de mais um ciclo, e o começo de outro. De São Gabriel para Porto Alegre, se fez músico ao lado de artistas como Bebeto Alves, Nelson Coelho de Castro e Gelson Oliveira, com quem gravou discos e fez shows no exterior. Foi parte de uma cena musical a qual gostamos de chamar de MPG. No Rio de Janeiro, conversou com a dita MPB, estabelecendo parcerias e bebendo na fonte do samba.

Agora volta ao sul, como un destino del corazón, parafraseando Piazzolla. E cantando tango também. “Cafetín de Buenos Aires” integrou o repertório com participação de Dolores Solá. Depois tocaram uma versão bilíngüe do milongão “Velas pra todos os santos”, do seu disco “José”. A performance esteve no auge da noite, ao lado de “No balanço do Bedeu”, samba rock que festeja o compositor gaúcho. Estas apresentações arrancaram aplausos calorosos do público, assim como “Pra rua me levar”, hit na voz de Ana Carolina.

A experiência de Antonio Villeroy prova que se foi o tempo em que o Rio de Janeiro sintetizava o Brasil. Hoje, daqui do sul, sua música é brasileiríssima, ao dialogar com a diversidade cultural do país de forma rica e autêntica.

- Agora me diz, mãe, ouviu a música Samboleria?
- Filho, tinha que ser tema da nova novela das oito!

Everson Vargas, Marquinhos Fê, Antonio Villeroy, Dolores Solá, Paula Finn, Giovani Berti e Pedro Tagliani

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