Ian Ramil para maiores

Derivacivilização é político pra cacete!
Pra gurizada, até ontem, era tão demodê fazer música de protesto. Legal era musicar exclusivamente a intimidade, crises existenciais (profundas ou não). Mas tem uma nova geração que cagou pra isso. A começar pela banda Apanhador Só, que depois do ótimo “Antes que tu conte outra” meteu o pé na porta do rock brasileiro. Garanto que tem outras país afora, que não conheci ainda, e que estão por aí disponibilizando seus álbuns na internet. Agora, seguindo na seara da capital gaúcha, acabamos de receber mais um disco foda e muito político: “Derivacivilização”, de Ian Ramil.

Paremos de fazer rodeios. Enquanto o presidente da câmara federal é denunciado por corrupção, continuamos escrevendo matérias “imparciais”, cheias de direito de resposta. Por que não colocamos uma foto gigante dele, com cara de canalha, numa capa standard, ao lado da palavra “corrupção” em letras garrafais? Na editoria de cultura, aqui vai ó: “DERIVACIVILIZAÇÃO” É POLÍTICO PRA CACETE! Não dá pra deixar de notar esta característica e resumir o álbum a um ótimo segundo disco de um jovem talento, filho de um expoente da música local (pai Vitor). É um acontecimento que extrapola o cotidiano chato das agendas de entretenimento. O primeiro disco de Ian Ramil já apontava nesta direção, mas não com a força deste novo.

Em termos de linguagem explícita, o disco abusa sem medo. Tivesse sido lançado nos Estados Unidos, levaria estampado na capa aquele selo, “Parental Advisory Explicit Content”. Aqui a pegada é outra. Pataço no queixo, a faixa “Artigo 5º”, sobre a Constituição de 1988, lista os direitos fundamentais, intocáveis. Musica a pedra fundamental, “todos são iguais perante a lei”, seguida de uma pausa e uma risada. E lamenta: “se quiser, pode cagar nesta Constituição, que dá nada”. Então, por que continuar metaforizando na música brasileira se a ditadura acabou há três décadas?

O álbum começa com um “Coquetel Molotov”, atirado no cotidiano opinático das nossas redes sociais. Reclama: “o teu papinho é de fudê”. Descreve: “dinheiro, corpo farto, social, sangue frio, opaco, eu compro um tênis novo e morre alguém”. E conclui, formidável: “o mundo é um skinhead e eu sou um gay”.

A faixa título, “Derivacivilização”, conclama e dá o tom: “alguém precisa virar o jogo”. Depois justifica: “as coisas não ditas apodrecem em nós”. Nas canções seguintes, vamos lembrando que vivemos num país com “Salvo-Conduto”. Podemos escolher entre portar um “Corpo Vazio” ou andar “Devagarinho”, por exemplo. Isto porque nas letras, o compositor varia entre a crítica social e a proposição de um outro jeito de encarar as coisas.

Guri maroto, Ian Ramil superou nosso velho desejo de agradar, de se enquadrar, de se formatar a um mercado que não existe mais. E falo aqui de rock, gênero que era pra ter sido sempre o mais rebelde. Na paródia “A Voz da Indústria”, satiriza: “bobinho, você que acha que a escolha existe”.

Acabou o tempo em que montávamos bandas em garagens escuras, almejando um lugar num mercado ensolarado. Também chegou a hora de pararmos de ouvir Radiohead pra pensar em se matar. Vamos crescer e aprender com a banda inglesa que agora somos menos dependentes. Reunir nossos amigos e reverberarmos até conquistar uma multidão. A turma do Thom Yorke nos ensinou mais sobre estética e mercado fonográfico do que sobre crise emocional. E essa gurizada nova tá ligada no bagaço.

Fica irresistível aqui replicar o maior dos clichês: o rock não morreu. E antes que alguém conclua algo sem razão, já vai a resposta: hipster é o meu pau de óculos!


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