Rodrigo Duarte segue certa direção - resenha do álbum Zênite


Cachoeirense radicado em Dois Irmãos (RS), o cancionista Rodrigo Duarte cria a partir das veias reflexiva e romântica do nativismo e interpreta com voz macia. No álbum Zênite, seu primeiro, apresenta com bela produção canções sobre o universo poético íntimo e da busca pelo sul. Sem dúvida uma obra que dialoga com os novos tempos. Que reverencia o que seria um cânone emergente na arte do Rio Grande do Sul. Há referências explícitas ao escultor Vasco Prado (Esses Cavalos de Prado), ao compositor Telmo de Lima Freitas (Prece ao Minuano) e ao escritor Luiz Sérgio Metz (Nunca Mais).

Gravado em 2015, finalizado e lançado em 2016 com recursos de financiamento coletivo na plataforma Catarse, o álbum conta com a participação de músicos destacados na cena sul-rio-grandense, hábeis no trânsito entre o regional e a MPB, como Texo Cabral (flauta), Samuca do Acordeon, Miguel Tejera (baixo) e Rafael Ferrari (bandolim). Os arranjos evocam sofisticação, a exemplo das faixas Zênite, chamamé de amor ao sul, Luz e Abrigo, bela letra e arranjo valseado, e Nunca Mais, epopeia retirante inspirada em conto de Metz, com participação de Marco Aurélio Vasconcellos e Vinicius Brum.

Zênite adere à impureza, ao amálgama elaborado durante décadas por artistas proeminentes na música, na literatura, na escultura, conjugando universalidade e gosto local. Há no disco o reconhecimento de certa arte canônica. Embora esse termo seja mais usado para expressões eruditas, é o mais adequado para entendermos a relação que Rodrigo Duarte estabelece com suas reverências. Pois não se trata de idealizar, buscar raízes, ou folclorizar. Trata-se de reconhecer a sistematização de um conjunto de modelos que caracterizam a cultura regional na atualidade e que deverão perpetuar.

Álbum consistente, profundo, daqueles que proporcionam várias camadas de fruição, com as letras do encarte na mão. Nas canções Aos anseios do tempo e Uma cuia vazia, o compositor alcança certa maturação no encontro entre letra e melodia, revelando uma dicção própria, mais livre dos maneirismos vocais festivaleiros. Dessa maneira, sua entoação comunica clara e diretamente, passando a mensagem e levando o ouvinte para dentro de seu universo idílico.

Prestar reverência. Muito se faz música com esse intuito. O século XXI anda até cansado dessa mania que não se estanca. Há, pois, possibilidade de percorrer os entremeios dessa trilha. A busca pelo sul, em muitas somente celebrativa, ora se faz reflexiva.

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