O cortesão Leandro Maia


Há duas semanas, escuto apegadamente o disco Suíte Maria Bonita e Outras Veredas, de Leandro Maia. Por duas razões. A primeira está no prazer da audição, dado o alto nível musical e poético. Segunda, porque me inquietava entender melhor a fusão sulina-nordestina que o álbum propõe.

Até que veio a Feira do Livro de Porto Alegre. Numa segunda-feira debaixo de uma tenda, o professor Antônio Hohlfeldt leu trechos de peças de teatro e romances do paraibano Ariano Suassuna. Além de reclamar que aqui deveríamos ler mais a obra do mestre do movimento Armorial, afirmou que não percebemos que a nossa tradição da cultura popular do Rio Grande do Sul tem muito a ver com a do Nordeste.

Leia aqui entrevista com Antônio Hohlfeldt no Jornal do Comércio.

Na contramão dos preconceitos que pipocaram após as eleições presidenciais, a percepção de Hohlfeldt começou a clarear minhas idéias quanto ao disco de Leandro Maia. Então fui assistir ao show de lançamento no Salão de Atos da Ufrgs, na quinta-feira.

Nunca havia visto o artista ao vivo. Sentei-me no auditório com uma impressão dele criada na minha cabeça, resultado das audições de sua voz enternecedora. Iniciado o espetáculo, o tom maternal somou-se a uma performance que evocava um arlequim, ora caindo pra Ian Anderson do Jethro Tull, ora para o violinista armorial Antônio Nóbrega.

Hohlfeldt seguia ajudando-me a entender. Lembrei que o professor disse que a origem, a época e o lugar das tradições gaúcha e nordestina são os mesmos: a Idade Média na Península Ibérica. Portanto, combinavam os movimentos do artista como personagem da corte. Em certos momentos, como na Valsa Russa, a pegada teatral seguia numa linha medieval. Na parceria com o fagotista Fabio Mentz, o compasso ímpar e o peso do arranjo de Caminho da Roça trazia ainda um ar de rock progressivo, gênero que bebe da água do fosso dos castelos.

Mas a referência temporal não prende os cabelos longos de Leandro Maia ao passado. O disco é extremamente contemporâneo. Boa parte da culpa deve-se à parceria com o fluminense-paulista André Mehmari. Pianista virtuoso, compartilha com Maia a formação erudita, e acrescenta notas jazzísticas. O auge foi a gravação de Waterfall com a meninice genial da cantora portuguesa Maria João.

André Mehmari
Suíte Maria Bonita e Outras Veredas também não se resume a versões sulinas de histórias do sertão. Além do canto de além-mar, o álbum percorre o caminho entre o norte e sul passando pelo interior caipira, colhendo referências brasileiras diversas. Cabe notar que os toques mais próximos ao Chuí ficam por conta do candombe Diadorim e da parceria com Vitor Ramil, Eu-Nuvem.

Impressionou a qualidade do álbum e do show. É preciso reconhecer que além do talento, foi preciso mecenato: o projeto recebeu o Prêmio Funarte de Música Brasileira. Diferente da Idade Média, nesse caso, o reinado pertence ao público.

Acesse aqui a página de Leandro Maia.
participação de Marcelo Delacroix na música História de nós dois
com Pedrinho Figueiredo (flauta) e Neymar Dias (baixo), integrantes do grupo que tinha ainda Luke Faro na bateria

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